Quantcast
Channel: Nina no Espelho » Companhia das Letras
Viewing all articles
Browse latest Browse all 10

A valsa dos adeuses – Milan Kundera

$
0
0

Acho que não preciso dizer outra vez o quanto gosto de Milan Kundera. Caso queiram conferir, na resenha sobre o livro A identidade coloquei algumas informações sobre o autor e um pouco mais sobre as impressões que tenho do tipo de narrativa. E cá estamos nós, mais uma vez, falando sobre uma obra do escritor tcheco. E provavelmente verão outras, pois estou destinada a conferir outras obras do autor.

A valsa dos adeuses me sôou estranho no começo da leitura. À medida que as demais personagens vão aparecendo, é possível compreender a escolha pelo título. Toda a trama começa quando Ruzena, uma jovem enfermeira que trabalha em um pequeno balneário que trata mulheres da infertilidade, encontra-se em uma situação contraditória ao desejo pela maternidade das mulheres que sempre a rodeiam: ela está grávida. Havia passado uma noite com um conhecido trompetista da capital, Klima, por quem está apaixonada e, assim que confirma sua gravidez, entra em contato com ele para dar a notícia. Porém, mais de que um artista que vive rodeado de jovens moças em busca de um autógrafo e empolgadas com seu trabalho, ele também é casado.

Kamila, esposa de Klima, foi uma grande cantora, reconhecida por várias pessoas e dona de uma beleza peculiar. No entanto, abatida por uma doença grave que a deixa na linha tênue que separa a vida da morte, é corrompida por um ciúme insistente por acreditar (e não sem razão) na infidelidade do marido. Klima então se vê em uma situação apertada e tenta, a todo custo, convencer Ruzena a interromper sua gravidez sob o falso pretexto de que só assim poderiam ficar juntos, no entanto, ele acredita que sua infidelidade existe como forma de reafirmar o seu amor por sua mulher. Então, aparecem na história também Bertlef, um empresário americano sexagenário com uma língua afiada e um sentimento grande de amor à vida; Jakub, um homem maduro que já participou ativamente do movimento político, ex-presidiário que pretende deixar o país e possui algum desprezo pela condição humana e também pelas mulheres; Olga, paciente da estação das águas e que, desde pequena, foi acolhida por Jakub após a morte de seu pai; e o Dr. Skreta, único médico da cidade, que trabalha no balneário e possui uma personalidade bastante energética e acredita que seu trabalho pode mudar o mundo.
Aos poucos, as personagens vão entrando na história, contando de suas próprias vidas e, aos poucos, se envolvendo com as demais, como na dança de uma valsa. No fundo, o romance tem muito mais do que apenas a história das personagens. Entre as conversas, os diálogos e pensamentos, podemos ver diferentes pontos de vista e reflexões sobre os sentimentos, as pessoas e mesmo a ética médica e a religião. Tudo acontece num período de cinco dias, dispostos nos cinco capítulos do livro que possuem outros subcapítulos, cada um deles contanto o ponto de vista de uma personagem. Volta e meia o próprio narrador inclui observações sobre o andamento da história entre parêntesis.
Milan Kundera possui um jeito próprio de desenrolar a história aos poucos e bastante nas entrelinhas, mas a leitura é bastante agradável e nos faz pensar, também, um pouco sobre como nós mesmos/as nos comportamos não apenas diante dos outros, mas em nosso próprio consciente.

“Se a ciência e a arte são de fato a própria, a verdadeira arena da história, a política é, ao contrário, o laboratório científico fechado em que o homem se submete a experiências inacreditáveis. Nela, cobaias humanas são jogadas em alçapões e depois levadas para um palco, seduzidas pelos aplausos e apavoradas pela forca, denunciadas e obrigadas a delatar.”

Por mais que eu goste muito do autor e recomende demais o livro, acredito que faltou um pouco mais de pulso das personagens femininas. Diferente um pouco de Chantal, do livro A identidade, algumas personagens femininas nesse romance parecem ter pouca confiança em si mesmas, na maioria das vezes abatidas pelo ciúmes ou simplesmente entregues cegamente à paixão. Apenas Olga me parece mais segura de si e que busca, de alguma forma, garantir seu poder de atração e sentir-se confortável com sua própria pessoa. Mas ainda sim, o desenrolar final da história muda um pouco essa perspectiva que tive das personagens femininas ao longo do romance, e confesso que me surpreendi em muitos pontos.

“Na sua maneira de comportar-se com ela, sentia o cheiro de mofo que, para um jovem, parece emanar de uma geração mais velha. Podem-se reconhecer os velhos pelo hábito de vangloriar-se de sofrimentos passados e transformá-los num museu para o qual convidam os visitantes (ah, esses tristes museus são tão pouco frequentados!).”


Viewing all articles
Browse latest Browse all 10

Latest Images

Trending Articles





Latest Images